“Sozinho com o seu trabalho”, de Yannis Ritsos (1909 – 1990), trad. Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Nikos Stangos

 Ele cavalgou sozinho toda a noite, assustado, impiedosamente esporeando
as costelas do seu cavalo. Eles estarão à sua espera, foi-lhe dito, que viesse sem falta;
havia grande urgência. Quando chegou de madrugada,
ninguém o esperava, ninguém lá estava. Ele procurou.
Casas desoladas, trancadas. Dormiam.
Ele ouviu, perto, o seu cavalo, ofegando –
espuma na sua boca, feridas nas costelas e as costas laceradas.
Ele abraçou-se ao pescoço do cavalo e chorou.
Os olhos do cavalo, grandes, negros, moribundos,
eram duas torres, as suas, distantes, numa paisagem onde chovia.

“Fala”, de Faiz Ahmad Faiz (1911 – 1984), tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Baran Farooqi

 Fala, pois os teus lábios são livres
Fala, pois a tua língua ainda te pertence
O teu corpo erguido ainda é teu
Fala, pois a tua alma ainda é tua
Olha, como na loja do ferreiro
As brasas estão quentes, o ferro lampeja
As bocas das fechaduras se abrem
As correntes estendem o seu alcance
Fala, pois o pouco tempo que tens é suficiente
Antes da morte do corpo e da língua
Fala, pois a verdade ainda existe
Fala, diz tudo o que há para ser dito

“Cavalo”, de Vasko Popa (1922 – 1991), trad. Bruno M. Silva

 Normalmente
Tem oito patas
 
O homem veio
Dos quatro cantos da terra
Viver entre os seus maxilares
Depois ele mordeu o lábio até ao sangue
Ele queria
Morder as hastes do milho
Foi tudo há muito tempo
 
Nos seus belos olhos
A dor fechou-se
Num círculo
Pois o caminho não termina
E ele deve arrastar consigo
O mundo inteiro


(a partir da versão inglesa de Anne Pennington, Selected Poems, Penguin)

“Ressurreição”, de Yoshihara Sachiko (1932- 2002). Tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Kenneth Rexroth e Ikuko Atsumi

 Matar o amor para que não me mate a mim, isso é preservação
A pistola apontada a ti volta-se para o meu coração
Pecado quente e frio castigo
Eu abro-me a partir daí, e talvez desse
Assombroso buraco a morte silenciosamente se espalhe
Os sons gotejantes do mundo desaparecem depois
E na longa longa cela solitária talvez seja
Uma morte inquieta uma morte em chamas uma vida em chamas
A aranha molhada à chuva faz a teia com o seu suor
E gradualmente afina e espalha o reluzente e oval Zero

Dois poemas de Nyo Yoshimoto (1320-1388). Tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Steven D. Carter

 O meu coração está sereno,
habituado  aos ventos da tempestade
soprando nos pinheiros
- mas não é como se eu tivesse fugido
para uma cabana nas colinas.

*

Na neblina da manhã
um barco separa as ondas
ao longo da costa,
quase desaparecendo de vista
antes de se fazer ao alto mar.

“Moluscos”, de Ishigaki Rin (1920 – 2004). Tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Kenneth Rexroth e Ikuko Atsumi

 Acordo à meia noite
Os pequenos moluscos que comprei na noite passada
estão vivos com as suas bocas ligeiramente abertas.
 
Comê-los-ei a todos quando o dia nascer.
 
E rio-me como uma bruxa.
Depois não me resta nada da noite,
senão dormir com a minha boca ligeiramente aberta.


(in Women Poets of Japan)