Hoje estou doente,
doente no meu corpo,
de olhos abertos, emudecida,
estou deitada na cama de parto.
Porque é que eu,
tão acostumada à proximidade da morte,
da dor, do sangue, do grito,
agora tremo incontrolavelmente de temor?
Um jovem e agradável médico tentou reconfortar-me,
e falou sobre a alegria de dar à luz.
Uma vez que eu sei mais do que ele sobre esta matéria,
de que me serve o seu tagarelar?
Conhecimento não é realidade.
A experiência pertence ao passado
Que se calem então os que carecem de urgência
Que os observadores se contentem com observar.
Eu estou sozinha,
perfeitamente, inteiramente, absolutamente entregue a mim mesma,
mordendo os meus lábios, segurando o meu corpo rígido,
servindo um fado inexorável.
Existe apenas uma verdade.
Darei à luz uma criança,
a verdade movendo-se do meu interior para fora.
Nem bom nem mau; real, sem que haja nisto falsidade.
Com as primeiras dores de parto,
subitamente o sol empalidece.
O mundo indiferente fica estranhamente calmo.
Eu estou sozinha.
É sozinha que eu sou.
Bruno M. Silva nasceu em 1990, no Porto. Publicou, em 2021, o livro de poesia A Cabeça em Tróia, pela editora Enfermaria 6. Juntamente com Andreia C. Faria traduziu a obra Este Grande Não-Saber. Últimos Poemas, de Denise Levertov, editado pela Flâneur. Tem poemas publicados na revista Ler, na Enfermaria 6, onde é colaborador regular, na Tlön, na Eufeme, na escamandro, na Gazeta de Poesia Inédita e no Jornal Universitário do Porto. Três dos seus poemas foram traduzidos para espanhol de forma a integrarem a antologia Lluvia oblicua. Poesía portuguesa actual, editada pela Valparaíso Ediciones, no México. Venceu as edições 17 e 18 do concurso Aveiro Jovem Criador. Foi um dos fundadores da revista literária A Bacana.
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