Cinco Poemas de Fujiwara no Tameie [1198-1275], trad. Bruno M. Silva

As pegadas desapareceram
do meu jardim solitário - 
a cor do musgo
está agora esquecida
sob as pétalas caídas.

*

Um cuco canta - 
mas a sua voz não anuncia
o início da manhã.
Grande parte da noite está ainda
entregue à vigília de um velho.

*

O que hei-de pensar?
Como a maré que se recolhe
na baía de Namuri,
aquele que eu amo
afasta-se de mim.

*

Na minha infância
acordava inquietado
pelo sussurrar dos juncos - 
agora fico acordado à noite
à espera do vento.

*

Sim, mas ainda assim,
embora as minhas noites de tormento
não tenham alcançado nada,
eu vou acreditar até ao fim - 
até nas suas mentiras.

“Sonhei que me guiavas” de Antonio Machado (1875-1939) trad. Bruno M. Silva

Sonhei que me guiavas
por uma branca vereda,
entre o campo verde,
em direcção ao azul das serras,
em direcção aos montes azuis,
numa manhã serena.

Senti a tua mão na minha,
a tua mão de companheira,
a tua voz de menina no meu ouvido
soando como um sino recente,
como um sino inaudito
na manhã de primavera.
Eram a tua voz, a tua mão,
em sonhos, tão reais!...
Vive, esperança. Quem sabe
o que devora a terra!

Poema de Antonio Machado (1875-1939) trad. Bruno M. Silva

E era o demónio dos meus sonhos, o mais belo
de todos os anjos. Os seus olhos vitoriosos
ardiam como metal,
e as chamas que caíam
da sua tocha como gotas
iluminavam a profunda cadeia da minha alma.

"Virás comigo?" - "Não, jamais! Assustam-me 
os túmulos e cadáveres."
Mas a sua mão de ferro
segurou-me.

"Virás comigo."... E no meu sonho caminhei
cego diante da sua tocha rubra.
Na cadeia escutei o som de correntes
e o alvoroço das feras enjauladas.

“Dor”, de Raymond Carver (1938-1988) trad. Bruno M. Silva

Acordei cedo esta manhã e da minha cama
olhei ao longe o Canal onde
um pequeno barco se movia pelas águas agitadas,
uma pequena luz dentro ligada. Lembrei-me
do meu amigo que gritava
o nome da mulher morta do alto dos cumes
de Perúgia. Que lhe punha o prato
sobre a mesa pobre muito depois
de ela já ter morrido. E abria as janelas
para que ela sentisse o ar fresco. Eu tinha vergonha
destas manifestações. Eu e todos os outros
amigos. Eu não conseguia entender.
Pelo menos até esta manhã.

“Ressurreição”, de Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

É verdade que depois desta vida seremos acordados
por um terrível som de trombetas?
Perdoa-me, Deus, mas eu creio
que o início e a ressurreição de todos os mortos
serão anunciados pelo som do galo.

Depois ficaremos deitados um pouco mais..
A primeira a levantar-se 
será a Mãe… Poderemos ouvi-la
gentilmente atear o fogo,
colocar a chaleira no fogão
e ternamente retirar o bule do armário.
Então estaremos em casa mais um vez.

“Sorrisos”, de Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

Existem muitos sorrisos,
mas estou a pensar no mais difícil,
no mais simples de todos.
É profundo, cortado
de ambos os lados pela lamina do tempo,
um sorriso que precisa de mais uma ruga
para descobrir tudo e estar pronto para o nome de Deus.
Um sorriso assim fica no rosto
mais tempo do que a alegria que o gerou - 
ou é o sorriso que vem antes da alegria
e desaparece
deixando o rosto entregue à felicidade.

“Encontro num Elevador”, Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

Entrámos no elevador. Os dois, sozinhos.
Olhamos um para o outro e mais nada.
Duas vidas, um momento pleno, sagrado.
No quinto andar ela saiu e eu continuei a subir
sabendo que não a voltaria a ver,
que tudo isto fora um encontro derradeiro,
que se eu a seguisse agora seria como um homem morto cercando-a,
e que se ela se voltasse para mim
seria já de um outro mundo.