“Espelho”, de Tada Chimako (1930-2003) trad. Bruno M. Silva

A minha imagem é sempre um pouco mais alta do que eu.
Ri-se sempre um pouco mais tarde.
Eu coro como um caranguejo cozido,
e recorto uma projecção de mim mesma com a tesoura das unhas.

Quando deixo que os meus lábios se aproximem do espelho,
ele distorce, e eu desapareço de vista,
como um nobre desaparece atrás do seu escudo,
ou um guarda por trás da sua tatuagem.

O meu espelho é o cemitério de sorrisos.
Viajante, quando vieres a Lakaidaimon,
diz-lhes que aqui se ergue um túmulo,
pintado de branco com maquilhagem,
com apenas o vento soprando no espelho. 

Cinco Poemas de Fujiwara no Tameie [1198-1275], trad. Bruno M. Silva

As pegadas desapareceram
do meu jardim solitário - 
a cor do musgo
está agora esquecida
sob as pétalas caídas.

*

Um cuco canta - 
mas a sua voz não anuncia
o início da manhã.
Grande parte da noite está ainda
entregue à vigília de um velho.

*

O que hei-de pensar?
Como a maré que se recolhe
na baía de Namuri,
aquele que eu amo
afasta-se de mim.

*

Na minha infância
acordava inquietado
pelo sussurrar dos juncos - 
agora fico acordado à noite
à espera do vento.

*

Sim, mas ainda assim,
embora as minhas noites de tormento
não tenham alcançado nada,
eu vou acreditar até ao fim - 
até nas suas mentiras.

Três poemas de Saigyō (1118-1190) trad. Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Meredith Mckinney

Vazio como o céu
o meu coração
é névoa primaveril dissipando-se
desejoso
por deixar este mundo para trás

*

Como poderia eu atravessar a vida
sem saber aquilo que ela é - 
um caminho
que inesperadamente leva
à morte?

*

Efémeros
aqueles anos em que eu
pensava que viveria sempre
anos perdidos
num sonho passageiro


[in Gazing at the Moon, Buddhist Poems of Solitude]

“Dores de Parto”, de Yosano Akiko (1878-1942), tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Kenneth Rexroth e Ikuko Atsumi

Hoje estou doente,
doente no meu corpo,
de olhos abertos, emudecida,
estou deitada na cama de parto.

Porque é que eu,
tão acostumada à proximidade da morte,
da dor, do sangue, do grito,
agora tremo incontrolavelmente de temor?

Um jovem e agradável médico tentou reconfortar-me,
e falou sobre a alegria de dar à luz.
Uma vez que eu sei mais do que ele sobre esta matéria,
de que me serve o seu tagarelar?

Conhecimento não é realidade.
A experiência pertence ao passado
Que se calem então os que carecem de urgência
Que os observadores se contentem com observar.

Eu estou sozinha,
perfeitamente, inteiramente, absolutamente entregue a mim mesma,
mordendo os meus lábios, segurando o meu corpo rígido,
servindo um fado inexorável.

Existe apenas uma verdade.
Darei à luz uma criança,
a verdade movendo-se do meu interior para fora.
Nem bom nem mau; real, sem que haja nisto falsidade.

Com as primeiras dores de parto,
subitamente o sol empalidece.
O mundo indiferente fica estranhamente calmo.
Eu estou sozinha.
É sozinha que eu sou.

Dois poemas de Fujiwara no Ietaka (1158-1237), tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Steven D. Carter

Ainda agora o ano
começou a florir.
Como pode ser, então,
que destas laranjas se desprenda
um aroma tão antigo?
  
*
  
Todas as coisas encontram o seu fim –
e então o dia procura amanhecer
com os sinos da manhã.
Mas a longa noite persiste
com a lua ainda no céu. 

Quatro poemas de Kyōgoku Tamekane (1254-1332). Tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Steven D. Carter

 Fascinado pela lua
ele passa pela estalagem
onde deveria dormir essa noite.
O viajante nocturno
atravessa já o caminho de amanhã.
 
*
 
Às voltas o tempo torna
e então talvez de novo
eu encontre a primavera.
Mas este dia, esta noite –
isto nunca voltará.
 
*
 
No meu coração deposito
a cor das ervas e das árvores
que agora contemplo –
para que pelo menos aí
a sua imagem fique comigo.
 
*
 
A tristeza das coisas
é algo sem cor –
como quando ao anoitecer
o outono chega pairando
nas plumas dos miscanthus.

“Ressurreição”, de Yoshihara Sachiko (1932- 2002). Tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Kenneth Rexroth e Ikuko Atsumi

 Matar o amor para que não me mate a mim, isso é preservação
A pistola apontada a ti volta-se para o meu coração
Pecado quente e frio castigo
Eu abro-me a partir daí, e talvez desse
Assombroso buraco a morte silenciosamente se espalhe
Os sons gotejantes do mundo desaparecem depois
E na longa longa cela solitária talvez seja
Uma morte inquieta uma morte em chamas uma vida em chamas
A aranha molhada à chuva faz a teia com o seu suor
E gradualmente afina e espalha o reluzente e oval Zero

Dois poemas de Nyo Yoshimoto (1320-1388). Tradução de Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Steven D. Carter

 O meu coração está sereno,
habituado  aos ventos da tempestade
soprando nos pinheiros
- mas não é como se eu tivesse fugido
para uma cabana nas colinas.

*

Na neblina da manhã
um barco separa as ondas
ao longo da costa,
quase desaparecendo de vista
antes de se fazer ao alto mar.