“Casal” de Forugh Farrokhzad (1934-1967) trad. Bruno M. Silva

A noite chega
e depois da noite, escuridão
depois da escuridão
olhos
mãos
e respiração, respiração, respiração
e o som da água
que cai ping ping ping da torneira
depois dois
pontos vermelhos
de dois cigarros acesos
o bater do relógio
e dois corações
e duas solidões

“Esqueci-me dos lábios que beijei, e onde, e porquê”, de Edna St. Vincent Millay (1892-1950), trad. Bruno M. Silva

Esqueci-me dos lábios que beijei, e onde, e porquê,
Esqueci-me, e que braços pousaram sob
A minha cabeça até de manhã; mas a chuva
Está cheia de fantasmas esta noite, que batem e suspiram
Contra o vidro à espera de uma resposta,
E no meu coração agita-se uma dor muda
Pelos homens esquecidos que não voltarão
A lamentar-se à meia noite com um gemido.
Eu sou como a árvore que no inverno se sustenta,
E não sabe que pássaros a abandonaram um a um,
Mas sabe que os seus ramos estão mais silenciosos agora:
Não sei que amores vieram e se foram,
Apenas sei que o verão cantou em mim
um pouco, e que agora não canta mais.

“O tempo não traz alívio; mentiram-me todos”, de Edna St. Vincent Millay (1892-1950) trad. Bruno M. Silva

O tempo não traz alívio; mentiram-me todos
Os que disseram que o tempo acalmaria a minha dor!
Sinto a sua falta no som da chuva;
Quero-o quando a maré recua;
A neve antiga derrete de todas as colinas,
E as folhas passadas tornam-se fumo em cada caminho;
Mas este amor amargo permanece sempre
Amontoado no meu coração, e os meus sentimentos sustentam-no.
Há cem lugares que temo visitar,
Tão carregados da sua memória.
E quando entro aliviada num lugar sossegado
Que nunca conheceu o seu pé ou iluminou o seu rosto
Eu digo, "Não existe memória dele aqui!"
E ali permaneço, fulminada, recordando-me dele.

“O inefável”, de Delmira Agustini (1886-1914) trad. Bruno M. Silva

Eu morro estranhamente… Não me mata a Vida,
Não me mata a Morte, não me mata o Amor;
Morro de um pensamento mudo como uma ferida…
Não tereis sentido nunca a estranha dor

De um pensamento imenso que se prende à vida,
Devorando alma e carne, e que não chega a dar flor?
Nunca levastes dentro uma estrela adormecida
Que vos queimava inteiros sem nunca luzir?…

Cume dos Martírios!… Levar eternamente,
Desolada e estéril, a trágica semente
Cravada nas entranhas como um dente feroz!…

Mas um dia arrancá-la em flor,
Milagrosa, inviolável!… Ah, maior não seria
Ter entre as mãos a cabeça de Deus!


[de Cantos de la mañana 1910]

“O intruso”, de Delmira Agustini (1886-1914) trad. Bruno M. Silva

Amor, a noite estava trágica e arfante
Quando a tua chave de ouro cantou na minha fechadura;
Depois, na porta aberta sobre a sombra gelada,
A tua figura foi uma mancha de luz e brancura.

Aqui tudo foi iluminado pelos teus olhos de diamante;
Os teus lábios de frescura beberam do meu cálice,
E a tua cabeça perfumada descansou na minha almofada;
O teu despudor encantou-me e adorei a tua loucura.

E hoje rio-me se te ris, e canto se tu cantas;
E se tu dormes eu durmo como um cão a teus pés!
E ainda hoje carrego na minha sombra o teu odor primaveril;
E tremo se a tua mão toca a fechadura,
E bendigo a noite arfante e obscura
Que fez crescer na minha vida a tua boca de frescura!


de El libro blanco (Frágil) 1907 

“Explosão”, de Delmira Agustini (1886-1914) trad. Bruno M. Silva

Se a vida é amor, bendita seja!
Quero mais vida para amar! Hoje sinto
Que mil anos de pensamento não valem
Um belo minuto de sentimento.

O meu coração morria triste e lento…
Hoje abre-se em luz como uma flor tremenda;
A vida brota como um mar violento
Onde a mão do amor me golpeia!

Hoje partiu durante a noite, triste, fria,
De asas quebradas a minha melancolia;
Como uma antiga mancha de dor
Na sombra distante se dissolveu…
Toda a minha vida canta, beija, ri!
Toda a minha vida é uma boca em flor!


[de El libro blanco (Frágil) 1907]

“Amor”, de Delmira Agustini (1886-1914) trad. Bruno M. Silva

Sonhei-o impetuoso, formidável, ardente;
Falando a imprecisa linguagem da torrente;
Um mar transbordando de loucura e fogo,
Atravessando a vida como uma eterna fonte.

Mais tarde, sonhei-o triste, como um grande sol-poente
Que dobrasse contra a noite a sua cabeça flamejante;
Depois ele riu-se, e na sua boca terna como uma oração,
A alma da fonte anunciou os seus cristais.

Hoje sonho que é vibrante, e suave, e alegre, e triste,
Que se veste de toda a escuridão e de toda a íris;
Que, frágil como um ídolo e eterno como Deus,
Levanta sobre toda a vida a sua majestade:
E o seu beijo ardente cai a perfumar o solo
Numa flor em chamas arrancada por dois...