“Ela questionou-te”, de Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

Ela questionou-te: O que é a poesia?
Tu querias dizer-lhe: tu também és, ah sim, tu és,
e, entre medo e assombro,
que provam o milagre,
invejo a tua beleza maturada,
e como não te posso beijar nem dormir contigo,
e como não tenho nada e quem não tem nada para dar deve cantar…

Mas não disseste nada, ficaste calado,
e ela não ouviu a canção.


[in Advancing, 1964]

“Ressurreição”, de Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

É verdade que depois desta vida seremos acordados
por um terrível som de trombetas?
Perdoa-me, Deus, mas eu creio
que o início e a ressurreição de todos os mortos
serão anunciados pelo som do galo.

Depois ficaremos deitados um pouco mais..
A primeira a levantar-se 
será a Mãe… Poderemos ouvi-la
gentilmente atear o fogo,
colocar a chaleira no fogão
e ternamente retirar o bule do armário.
Então estaremos em casa mais um vez.

“Sorrisos”, de Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

Existem muitos sorrisos,
mas estou a pensar no mais difícil,
no mais simples de todos.
É profundo, cortado
de ambos os lados pela lamina do tempo,
um sorriso que precisa de mais uma ruga
para descobrir tudo e estar pronto para o nome de Deus.
Um sorriso assim fica no rosto
mais tempo do que a alegria que o gerou - 
ou é o sorriso que vem antes da alegria
e desaparece
deixando o rosto entregue à felicidade.

“Encontro num Elevador”, Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

Entrámos no elevador. Os dois, sozinhos.
Olhamos um para o outro e mais nada.
Duas vidas, um momento pleno, sagrado.
No quinto andar ela saiu e eu continuei a subir
sabendo que não a voltaria a ver,
que tudo isto fora um encontro derradeiro,
que se eu a seguisse agora seria como um homem morto cercando-a,
e que se ela se voltasse para mim
seria já de um outro mundo.

“Neve”, de Vladimír Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

Começou a nevar à meia-noite. E claro
que a cozinha é o melhor lugar para te sentares,
mesmo a cozinha dos que não dormem.
É quente, cozinhas qualquer coisa, bebes vinho
e olhas pela janela a tua amiga eternidade.
Que importa que o nascimento e a morte sejam meros pontos
quando a vida em si não é uma linha recta?
Por que te atormentas olhando o calendário
e te questionas sobre o que está em jogo.
Para quê confessar que não tens dinheiro
para sapatos de marca?
E para quê gabares-te
que sofres mais do que os outros.

Se não houvesse aqui silêncio
a neve tê-lo-ia sonhado.
Estás sozinho.
Poupa os teus gestos. Não tens nada para mostrar.

“Mãe”, de Vladimir Holan [1905-1980] trad. Bruno M. Silva

Alguma vez viste a tua velha mãe
fazer a tua cama,
a forma como ela puxa, alisa, afaga, suaviza o lençol
para que não sintas nunca uma única dobra?
A sua respiração, o movimento das mãos e das palmas
são tão ternos
que no passado essas mãos ainda apagam os fogos em Persépolis
e acalmam neste momento alguma tempestade futura
na costa chinesa ou em mares desconhecidos.