Onde me meto este Janeiro, ó cidade? Louca-desvairada a cidade aberta agarra... Será que me alucinam as portas cerradas? - São de soltar uivos tantas trancas, trincos, barras. Os becos-meias que ladram e mais as caves Das ruas tortas esconsas onde à margem Precipitadamente os marginais se escondem, Donde correndo precipitadamente saem... E para o frenesim escorrego, para o escuro Salpicado de verrugas, até ao gelo Da bomba de água, tropeço no ar morto E as gralhas fogem febris sob o regelo. Uááá! Atrás delas eu grito para as fossas Sei lá de que gelada caixa de madeira: - Preciso de um leitor! médico! conselheiro! Duma conversa nas escadas espinhosas! [1 de Fevereiro de 1937] (in Guarda Minha Fala Para Sempre, ed. Assírio & Alvim)
Mês: Julho 2021
“Eu torno-me cada vez mais dócil, de Anna Akhmátova, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra
Eu torno-me cada vez mais dócil, e tu sempre misterioso e novo, mas teu amor, meu severo amigo, é uma prova de ferro e fogo. Proíbes-me de cantar, sorrir, e há muito de rezar, desde que não me aparte de ti, todo o resto me é igual! Assim, alheia à terra e ao céu, já não canto, apenas vivo. Minha alma livre arrancaste do inferno e do paraíso. [1917] (in Só o Sangue Cheira a Sangue, ed. Assírio & Alvim)