“Dia dos Mortos”, de D. H. Lawrence (1885-1930) trad. Bruno M. Silva

Tem cuidado, então, e sê brando com a morte.
É difícil morrer, difícil atravessar
essa porta, mesmo quando se abre.

E os pobres mortos, mesmo depois de abandonarem
a muralhada cidade de prata do seu corpo 
para onde irão, oh para onde irão eles?

Eles demoram-se entre as sombras da terra.
A grande sombra cónica da terra está cheia de almas
que não puderam atravessar o mar da mudança.

Sê brando, oh sê brando com os teus mortos
e cobre-os de um pouco de coragem,
ajuda-os a construir o seu pequeno barco para a morte.
Pois a alma tem uma longa, interminável viagem depois da morte
até à bela mansão do puro esquecimento.
Cada um precisa de um pequeno barco, um pequeno barco
e comida suficiente para a grande viagem.
Oh, do fundo do teu coração
cuida dos teus mortos mais uma vez, prepara-os
como marinheiros que partem, com amor.


[in Last Poems]

“Grinding the Lens”, de Linda Gregg (1942-2019) trad. Bruno M. Silva

Estou a tentar ficar melhor.
Não quero ir de viagem.
Pintei a sala de estar de branco
e tirei a maior parte das minhas coisas.
A sala nunca esteve tão vazia.
Ouço de repente o som de um trovão
e a chuva que subitamente cai lá fora.
Deixo a máquina de escrever e corro
ao exterior de vestido de noite e tiro
o lençol de algodão da corda.
É verão e eu estou a meio
da minha vida. Sozinha e feliz.

“Conquista”, de Yannis Ritsos (1909-1990) trad. Bruno M. Silva a partir da versão inglesa de Rae Dalven

Aquilo que procurámos como justificação das nossas vidas
fora alcançado. Nenhum vestígio de desejo, lembrança ou terror
permanecia no centro das nossas células.
Éramos dois corpos vazios atirados para a margem da noite.
Mais tarde, enquanto calçavas as meias - olhei com atenção para a cama,
era um animal muito antigo transformado em mármore na posição sexual
caminhando com as suas quatro patas mortas para o vazio.

“Confissões”, de Charles Bukowski (1920-1994) trad. Bruno M. Silva

estou à espera da morte
como um gato
que vai saltar para
a cama

tenho pena da minha
mulher

vai encontrar este
corpo
branco
e rijo

vai abaná-lo uma vez,
talvez
outra:

“Hank!”

o Hank não vai
responder.

não é a minha morte que
me preocupa, é a minha mulher
deixada aqui com esta
pilha de
nada.

quero que 
ela saiba
no entanto
que todas as noites
a dormir
ao lado dela
até as discussões
sem sentido
foram coisas
formidáveis

e as palavras
difíceis
que sempre temi 
dizer-lhe
podem agora ser
ditas:

Eu
amo-te


[in On Love]

“Quando o homem entra na mulher”, de Anne Sexton (1928-1974), trad. Bruno M. Silva

Quando o homem
entra na mulher,
como a rebentação das águas sobre a costa,
uma e outra vez,
e a mulher abre a boca de prazer
e os seus dentes brilham
como o alfabeto,
Logos aparece ordenhando uma estrela,
e o homem 
dentro da mulher
aperta um nó
para que nunca mais
se separem
e a mulher 
sobe a uma flor
e engole o caule
e Logos aparece
e liberta os seus rios.

Este homem,
esta mulher
com a sua dupla fome,
tentaram aproximar-se
da cortina de Deus
e por momentos conseguiram,
embora Deus
na Sua perversidade 
desate o nó.


[in The Awful Rowing Toward God]